segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Nudez Superestimada


Em menos de cinco passos que só eu ouviria ecoar, um holofote me cegaria por cinco segundos e os gritos começariam. Não, não era uma rock star ou uma diva teen esperando uma platéia de adolescentes na puberdade quando aparecesse no tal palco. Era uma stripper e só. Não havia glamour no que fazia. Era um belo pedaço de carne, exposto para que os abutres tirassem pequenas lasquinhas, pequenos pedaços do que achavam apetitoso. Se eles soubessem como desprezava cada um deles, como olhá-los nos olhos e ver aquela luxúria barata e abusiva me dava vontade de vomitar até que meus intestinos escorressem por minha boca. Ah, a revolta... já era minha amiga desde que havia entrado naquela vida. Ela me fazia aguentar noite após noite ali, naquele mesmo antro de urubus famintos e de garotas almejando conquistar um homem rico e que as fizessem mulheres dignas. E o papai Smurf iria ser o padrinho do casamento. Pobres iludidas, mal sabiam que continuariam ali até que seus seios se desalinhassem aos poucos, seu bumbum não fosse mais tão empinado como antes e seu rosto começasse a ter sinais de cansaço, fadiga da vida que levavam naquele submundo, naquele mundinho a margem da vida normal, da vida aparentemente perfeita de muitos.

As pernas se juntaram e se separaram enquanto roçavam uma na outra, nos tais 5 passos que me separavam dos meus cinco minutos de fama e degradação diários. OS homens se levantaram e os gritos começaram. Dança, vadia. Rebola pro papai aqui ver. Como queria te ver de quatro. As palavras eram tão baixas em certas horas queria ser surda, simplesmente surda. Olhei para o lado e com tal movimento, a música começou, os gritos tornaram-se mais baixos em contraste a música. A mão roçou pelo corpo enquanto as pernas iam se afastando, a música era o típico som depressivamente sexy que fazia uns e outros terem ereções apenas com a perspectiva de ver uma mulher nua com tal som. O quadril se mexia, suavemente aos primeiros compassos, as mãos ainda passeavam pelos pequenos pedaços de roupa que usava, elas roçavam despudoradamente por entre minhas pernas e os gritos se tornavam mais promíscuos. Como eles podem ser tão fáceis? Como eles podem se entregar por tão pouco? O mundo era de fato abominável. As alianças brilhavam conforme as luzes passavam por todo o ambiente. As esposas esperavam em casa, aquele bando de cachorros no cio, procurando a forma mais depressiva pra se mostrarem machos e viris. Saberiam eles como dar um orgasmo multiplo? As mãos soltaram-se do corpo e agarraram o mastro em minha frente, mastro este que tinha diversos nomes e alguns outros que preferia nem lembrar, as mãos se apertaram contra ele e uma das pernas subiu, prendendo-se ao redor dele, rocei o corpo ali, enquanto o quadril ainda rebolava, algumas mãos roçaram em minha perna e se alguém ali ligasse pro jeito que meu olhar mudava, saberiam o que pensava.

Mas do que importa o que penso ou deixo de pensar, certo? Sou apenas a vadia que deve se abaixar para que os trocados amassados, cheirando bebida sejam acoplados em sua calcinha e que ainda deve sorrir com tamanha generosidade. É, ficaria rica, uhu. Após abaixar pra tal cena degradante, uma mão bateu em minha bunda e fez com que levantasse rapidamente, eu teria chutado a cara do infeliz, mas para que? Pra perder o emprego mais maravilhoso do mundo? A mão caminhou em direção ao feiche do pequeno shorts que usava, a outra acompanhou e ambas soltaram as laterais e com um movimento brusco puxei o pequeno pedaço de pano, me livrando de tal vestimenta. "É, agora é só tirar o sutiã e posso ir pra casa, a não ser que..." A dança continuava, suja e fétida, não havia sentimento de satisfação nenhum ali, no entanto, nenhum dos olhos ali notava isto. O quadril rebolava mais rapidamente, enquanto o pudor ia embora com cada passada de mão por meu corpo. As mãos logo soltaram o laço do sutiã e os seios se libertaram. O dono do local parecia satisfeito com o fervor que a platéia bêbada reagia a cada movimento, era patético. Não demora para que abaixe e comece a engatinhar para perto dos cães sarnentos no cio, as notas eram depositadas em minha calcinha a cada pequeno movimento que fazia, eles tiravam suas casquinhas e eu levava o dinheiro, dinheiro de bêbado pinicava, era sempre amassado, como eles conseguiam? Nem importava.


Naivety and childhood left behind
deprived of goodness of mankind.
Past encounters have made her strong,
strong enough to carry it on and on.

Undress you with her eyes, uncover the truth from the lies.


A música estava quase no fim e com mais algumas engatinhadas, cheguei ao mastro novamente e agarrei-me ali, subindo como uma cobra com movimentos certos, calculados e ensaiados, mecânicos. Soltei-me dele ao estar em pé e com um novo movimento brusco, livrei-me da calcinha, os olhos se arregalaram em volta, enquanto as notas iam quicando no pequeno palco. Estava nua, simplesmente nua quando a música acabou. Por que supervalorizavam a nudez sendo que ninguém a observava direito? Não estava só com o corpo desnudo, a alma estava ali exposta. Meus olhos diziam o que precisava que vissem, meu asco, minha revolta, a tristeza crônica, a melancolia, estavam todos ali, misturados, fundidos em tudo que eu era. Eu gritei no silêncio do meu vácuo interno. Alguém me ouve? Alguém me vê? Não, não viam, o mundo era simplesmente limitado demais e aquilo aumentava aquele bolo que rodava dentro de mim. Olhei pro chão e as peças jogadas ali, as notas espalhadas por ali, olhei pra minha própria nudez e constatei que ali, o que era e sentia não significava nada, desde que meu corpo continuasse perfeito pra apreciação pública. Os passos me levaram pra fora dali e então gritei, grito este que me rasgou, era como se ele trouxesse garras que dilaceravam a pele e tornavam a dor latente. O dia seguinte seria diferente, eu tinha certeza disso...

This angel's dirty face is sore, holding on to what she had before.
Not sharing secrets with any old fool, now she's gonna keep her cool.
She wants to get naked...
(Música de Spice Girls/Andy Watkins/Paul Wilson)

sábado, 15 de agosto de 2009

Passos que me levariam ao abismo


Meus pés, ah meus pés... Era engraçado como eles eram o único ponto em mim que olharia quase que constantemente. Os acompanhava a cada movimento, um hábito bobo de quem é inseguro demais. Olhar os pés é tido como algo bonitinho por uns e por outros sinal de fraqueza. Seria fraqueza minha confiar neles? Não, não seria. Era a garota do tênis velho e surrado que não se preocupava muito com a roupa certa ou com o que queriam que eu fosse, apenas era eu. O cadarço roçava pelo chão sujo e ao fim do dia, mostrava o quanto tinha andado pelo seu tom quase preto. "Foi um dia cheio"- constatei silenciosamente enquanto tirava os tênis e escorregava pelo chão em minhas meias despareadas, uma azul e a outra vermelha. Como parecia criança, uma criança boba e burra, ou melhor, nem tão burra assim.

Meus passos como sempre, me levaram a algum lugar, a cozinha. Lá achei o que precisava para refletir sobre o dia, as descobertas e os regressos, que insistiam em acontecer, lá estava meu brigadeiro, certamente duro por ter passado o dia na geladeira.Não precisaria de uma colher, o dedo parecia uma boa colher naquele momento, era suficiente. Passei-o pela superficie do doce, forçando a entrada enquanto os pensamentos começavam a flutuar pelo ambiente e o silêncio ia desaparecendo. As palavras ditas pelas pessoas ecoavam no ar, as minhas palavras voavam pelo ar, não as ditas, as que calei, aquelas que poderiam ter saído sem pensar e que segundos antes, as tranquei, evitando que guerras e ogivas nucleares explodissem. Por que calar tanto? Por que se fechar tanto? Não sabia a resposta, nem o porque, apenas fazia mecanicamente.

Os pés estavam agora em cima da cadeira e as pernas encolhidas enquanto meu queixo repousava calmamente entre os joelhos. A mão ainda estava parada no doce em minha frente, estática, mesmo que pudesse sentir o doce grudento entrando embaixo da unha. Então em meus olhos perdidos, veio a imagem do porque aquele dia havia sido diferente do habitual. Eu vi lágrimas alheias, não eram lágrimas de um drama habitual, eram lágrimas de uma traição do pior tipo. Elas escorriam pelo rosto daquele homem, que naquele momento, parecia mais um garoto desamparado, sem rumo e perdido. Meu impulso foi de abraçá-lo e dizer que tudo passaria e ficaria bem, assim que sua última lágrima caísse, mas não estava em uma história infantil e não passaria rápido. Meus braços o envolveram e sem resistência, ele deixara que tomasse conta dele, ou pelo menos, o amparasse. Nem de longe era a imagem que costumava se ter dele. Onde estava a pose, a confiança e o olhar que te atingia de cima pra baixo, como se analisasse toda sua expressão corporal? Elas não estavam ali, simplesmente evaporaram, ali ele estava, nu, desprotegido, apenas a essência. Ele não era agora o galã das mulheres, o cara que por onde passava, quebrava corações e os dilacerava e no fim, sentia-se completo. Ali faltavam pedaços, pedaços que foram caindo a cada lágrima, como se se não estivesse amparado, teria se partido ao meio. Tudo que pensei em dizer, poderia apenas piorar o que parecia ruim. Ele soltava palavras desconexas em meio ao choro, algumas outras, eram inaudíveis, mas sentia seus lábios se movendo contra meu ombro, ombro este já úmido pelo fluxo de lágrimas. Meus braços maternalmente se apertaram ao seu redor, o tempo passou sem que soubesse quanto, logo sua voz saiu, ainda trêmula, palavras espaçadas, conexas de algum jeito: "Eu... eu abaixei a guarda... não podia, não devia e... Ela não sente o mesmo, ela disse... ela disse" Articulei a boca para responder ao que ouvi, mas tornei a me calar. Não sabia o que poderia se transformar caso dissesse o que pensava sobre o ocorrido. Logo suas lágrimas foram tornando-se escassas e logo se acalmou. O olhar de conquistador voltou ao seu rosto, ele tornou a endireitar os ombros e o garoto frágil tinha sumido de novo e o homem galante voltara. Ele beijou minha testa, olhou em meus olhos por alguns instantes, em sinal de agradecimento e saiu pelo mesmo lugar de onde veio.

Aos poucos fui voltando para a cozinha, pro lugar em que estive o tempo todo, antes que as memórias me levassem longe. Tornei a olhar pro brigadeiro em minha frente e ele não parecia mais apetitoso, tirei o dedo que se afundara nele e limpei com um guardanapo.

Meus pensamentos me levaram mais uma vez as palavras que não foram ditas e repassei cada uma delas em minha cabeça: "Dói não é? Dilacera e é como se cada célula do seu corpo estivesse sendo esticada ao extremo e tudo que quer é gritar. Fora traído, traído por sua própria carapuça, por seu próprio personagem. As lágrimas brotam, cada vez que está sozinho em sua cama, sozinho, no escuro, ninguém vê, ninguém ouve, sua máscara está segura. A sua máscara está segura comigo. Mas agora sabe como se sente alguém que tem os sonhos, planos, vontades e sentimentos estilhaçados. Apenas junte-se ao grupo. Sofrer faz parte, se despedaçar faz parte de estar vivo. Então sinta-se vivo e em ocasiões futuras, desmonte o personagem mais vezes e mostre estar vivo, arrisque, quebre a cara, olhe nos olhos ao invés de fitar o decote em sua frente. Não precisa se cortar para sentir-se vivo, não precisa usar pra estar vivo. Apenas viva, ame, cuide e respeite e sentir-se-á vivo." Seriam as palavras que almejava dizer, mas qual seria o sentido? Ele nunca notou antes, ele nunca foi atento aos sinais, ele apenas deixou que as pessoas a sua volta se sacrificassem por seu personagem galante. Um dia ele saberia, um dia ele entenderia e quando caísse em si, eu estaria esperando, novamente com o abraço apertado pra que não se despedaçasse, para ele sair mais uma vez, terminando sua noite com outra pessoa...


Balancei a cabeça negativamente e em um pequeno salto sai daquela cadeira e fui para a sala, apertei o play do mp3, esperando que ele tocasse a melodia que me embalava nos últimos tempos. O corpo se mexia, sem que as pernas saíssem do lugar, era a dança da libertação. David Cook sabia exatamente o que pensava e cada música sua, encaixava-se com meus medos, meus traumas, meus problemas e minhas dores... "Can you remember me with all that I can see? A hole in my head because you were mine, like a closed book you can read brings back those memories on how everything looks outside... I'll swin in you, if you drown in me, we'll search everywhere for a happy ending. Incarcerate, rest peacefully..."